quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Casa Colonial

Lembro-me da residência, uma casa de arquitetura colonial, localizada as margens de uma lagoa, com uma árvore de ipê nos fundos, uma vizinhança tranquila, amigável e com vários campos que na primavera se cobria de flores. Parece paisagem de pintura, mas era real, eu também não acreditava que lugares assim existiam, mas existem, agora não sei se neste mundo ou no outro.
Eu era novo, recém-admitido numa empresa multinacional, meus pais não aprovavam a minha mudança, sair do centro urbano para me acomodar numa cidadela interiorana, confesso que eu tinha receio de não me adaptar, mas o salário era muito bom, eu poderia levar adiante os meus planos de montar a minha própria empresa de consultoria artística.
Logo que aceitei o emprego, cheguei à pacata cidade de Novos Campos e passei um dia inteiro em busca de um lugar para alugar, algo que não fosse tão caro, afinal eu queria economizar, mas que fosse aconchegante para um rapaz solteiro que viveria só por alguns anos. Percorri por várias ruas do centro da cidade e nenhuma moradia disponível, pedi informações aos moradores e todos me davam a mesma resposta “aqui é difícil encontrar casas vagas”, então decidi, enfim, procurar o único corretor de imóveis da cidade.
Na imobiliária me deparei com uma situação inusitada e um pouco desestimulante, a única casa disponível se localizava há alguns quilômetros fora do centro da cidade era uma casa campestre e, além disso, possuía a fama de ser mal assombrada. Ri no momento em que soube da história, mas imediatamente desfiz o sorriso, pois percebi que o corretor falara sério.
Perguntei sobre qual tipo de assombração estávamos falando, afinal, anoitecia e eu precisava definir um local para passar a noite. O corretor explicou-me um pouco da história da casa, disse que no passado ela era habitada por um grande coronel, dono de muitas terras e de trabalhadores escravizados por dívidas.  Era um homem muito cruel, muitos homens sofreram castigos perversos e morreram naquelas terras. A casa está localizada nos campos mais lindos da cidade, mas tem esse problema de ser povoada por esses espíritos dos ex-trabalhadores.
Acreditei na história que ele me contou, pois me mostrou, na internet, alguns documentos antigos da época, eram registros de jornal que documentavam a descoberta do cemitério clandestino com mais de vinte ossadas de seres humanos, os supostos ex-trabalhadores. Mas não acreditei que a casa sofresse com a influência de algum tipo de energia do além, nunca acreditei nisso, meus pais sempre me falavam que era para eu ter medo dos vivos, pois os mortos nada podiam fazer de mal. Convicto no que eu pensava e na necessidade de dormir, eu estava exausto, resolvi ir conhecer a tal casa.
A meia hora do centro de Campos Novos, bem após uma curva há mais ou menos um quilômetro eu já conseguia avistar a casa, construída sobre uma colina, de fato, era uma casa estilo colonial, com uma varanda trabalhada em arcos, portas e janelas feitas de madeira de lei.
Não sei por que as pessoas evitavam aquela casa, ela era tão charmosa e possuía um grande valor histórico, embora não fosse um passado muito bom, mas isso não a desvalorizava enquanto história, afinal, a sua estrutura representava um estilo de época e se mantinha intacta, super conservada, exceto pela pintura desgastada.
Nem bem chegamos e o corretor deu meia volta e saiu queimando pneu, apenas deixou claro que os boletos seriam enviados para o endereço todo fim de mês. Não importou a mim, estava ansioso para adentrar na minha nova casa. No interior da sala, vi que a mobília estava descoberta e limpa, como se a casa nunca tivesse deixado de ser habitada. Novamente não me importou, continuei explorando a casa. Fui aos quartos, embora o valor cobrado pelo imóvel estivesse acessível, a casa era grande, possuía vários quartos, todos distribuídos em um corredor longo, que ligava a sala a cozinha.
            Definitivamente, eu estava satisfeito com a minha aquisição, havia me apaixonado pela casa, o cansaço me vencia, mas não poderia dormir sem pegar uma ducha. Fui conhecer a banheira da suíte, a pus para encher enquanto retirava a roupa, fui me despindo, e do nada a porta abriu lentamente, propagando pelo cômodo um ruído de dobradiças enferrujadas. Olhei para a porta, mas não vi ninguém. Peguei a toalha a coloquei no ombro, caminhei até a porta, a fechei e me dirigi ao banheiro, mergulhei lentamente na banheira e com o chuveiro ainda ligado, aparei as gotas no rosto até adormecer.
            Quando acordei, senti um cheiro bom de café da manhã, estranhei, afinal, quem poderia estar na cozinha fazendo o café? Eu era novo ali e não tinha feito amizade com ninguém ainda, sequer tinha me apresentado na filial da empresa. Peguei a toalha, enrolei-a na cintura e desci a escada devagar, olhando apreensivo cada cômodo da casa. Ao chegar à cozinha, vi uma mulher de costas, trajando um vestido longo, antigo, era morena, aparentemente nova, por volta dos vinte anos, corpo bonito, parecia preparar algo. Assustado eu deixei escapar um “oi”, mas ela não respondeu, fui me aproximando devagar até conseguir tocar em seu ombro, então a toquei e perguntei _ Quem é você? _ Ela se virou e falou com um ar de felicidade _ Até que fim você acordou! _ Eu não entendi nada, mas olhei em seus olhos verdes que me hipnotizaram e me regressaram à sua história.
            Seu nome era Esmeralda, talvez pela cor dos olhos, era filha bastarda do dono da casa, Coronel Antônio Vellais. O coronel era casado com a senhora Lindalva, alguns anos mais nova que ele, charmosa, porém estéril, o que fazia com que aceitasse a presença de Esmeralda na casa, mesmo sabendo que era fruto de um ato de infidelidade de seu esposo. Esmeralda era tratada como uma serviçal, não era escrava, mas não gozava de seus direitos como filha. O coronel sofria de uma enfermidade crônica, sabia que logo morreria, portanto tratou de cuidar do testamento antes que a sua hora de partir chegasse.
            Embora a fama de coronel cruel do senhor Vellais ultrapassasse as fronteiras da cidade, em seu testamento, ele buscou se redimir com Esmeralda e deixou a posse da Casa Colonial em nome de sua única filha. Quando morreu e a leitura do testamento foi feita, senhora Lindalva não se conformou e se descontrolou emocionalmente, foi até a sala de caça da casa, pegou uma arma, voltou à sala e atirou em Esmeralda, que em seus poucos minutos de vida, sussurrou _Esta casa é minha e daqui não sairei.

Após esta lembrança, voltei da regressão e compreendi o que se passava na casa. A moça pegou numa de minhas mãos e disse _ Agora ela também é sua! _ Olhei seriamente nos olhos dela, depois baixei a cabeça e vi que na outra mão ela manuseava uma faca com a qual me desferiu um golpe fatal dizendo _ Fazia muito tempo que te esperava! _ Minha vista foi embaçando, fui caindo e a respiração parando lentamente, meu sangue escorrendo e sendo absorvido pelo piso, eu, definitivamente, fui me sentindo cada vez mais ligado à arquitetura da casa, desde então nunca mais ninguém obteve notícias a meu respeito. Junto a Esmeralda e aos outros espíritos da fazenda, passei a guardar a casa de todos os intrusos que a tentassem tomar de nós. 

O banheiro


Muitas pessoas se conhecem diariamente por aí, eu, claro, não sou diferente delas, mas certo dia fui surpreendido com uma atitude no mínimo inusitada. Dia esse, aparentemente, como outro qualquer, após assistir uma aula interessante sobre arte brasileira, um de meus contatos do chat havia me convidado para um encontro antes do início de sua aula, estudávamos em turnos diferentes, mas era na mesma universidade, o que facilitou na decisão de aceitar o convite.
Enquanto aguardava a sua chegada, fiquei recapitulando algumas conversas que tínhamos madrugadas a fora em frente ao computador, e numa delas em especial, eu comentei que já havia trocado uns “amassos” com um carinha legal no banheiro do prédio das coordenações de cursos, lugar reservado, com pouco movimento, enfim, comentário bobo em conversas sem fundamentos de dois jovens quase zumbis acordados e interligados pela internet.
A cada lembrança que eu tinha das conversas, mais ansioso e nervoso eu ficava, ele era o tipo de garoto que me atraía, possuía pele clara, era inteligente, baixo e tinha um papo envolvente. Decidi sair da sala e ir à coordenação ver se encontrava alguém por lá, para ajudar a passar o tempo, mas durante o meu deslocamento, o amigo virtual foi ao local marcado, e eu não estava lá. Ao retornar, encontrei, no corredor, uma acadêmica recolhendo as inscrições para um congresso, ela me parou e perguntou se eu estudava na ultima sala do corredor, respondi que sim, e ela então avisou que havia um rapaz me procurando, e que ele estava aguardando na sala N3. O coração acelerou, caminhei lentamente, suava frio, meus pés pareciam pesar, minha cabeça me aconselhava _ Calma, mantenha-se tranquilo, não vá fazer e nem falar nenhuma besteira_ Como se fosse adiantar alguma coisa.
Ao chegar em frente a sala, fui olhando devagar e um singelo sorriso escapou  quando o vi, sentado sobre uma mesa, de costas para mim e de frente a uma janela. Fiquei pensando no que falar, como eu iniciaria a conversa. O que eu devia falar para não parecer nervoso? Ele virou e me viu plantado em frente à porta, sem ação. Ele sorriu, e perguntou _ Não vais entrar? Eu, prontamente, sai do transe e respondi _ Claro. Entrei.
Passamos alguns breves minutos conversando e nos “conhecendo”, afinal, já tínhamos tido tantas conversas por meio de redes sociais e telefone, que o nervosismo do primeiro encontro ao vivo, logo se dissipou e já estávamos nos tratando como velhos conhecidos. Mas já chegava a hora de ele ir pra sala, resolvi me despedir e justifiquei que tinha que falar com a coordenadora do curso antes de eu ir embora, ele se ofereceu para ir comigo, uma só coisa passou em minha mente neste momento, a conversa sobre o banheiro das coordenadorias, muito embora eu no fundo não acreditasse que despertasse algum interesse naquele rapaz tão descolado. Fomos à coordenação, subi as escadas e após constatar de que não havia ninguém na sala, já com segundas intenções, o comuniquei que precisava usar o banheiro e desci em direção ao mesmo. Era a hora de saber se ele realmente tinha algum interesse em mim, ou se apenas tinha sido gentil em se oferecer a me acompanhar até a coordenação.
Cinco minutos passados e nada. Resolvi sair, afinal ele poderia pensar que eu estava passando mal ou coisa do tipo, lavei as mãos e resolvi retribuir a gentileza me oferecendo para acompanhá-lo até sala de aula. Caminhamos lado a lado, eu , pensativo, e um pouco cabisbaixo, estava me remoendo de vontade de beijá-lo, e infelizmente não comprovei reciprocidade. Mas quando menos esperava, ele parou e perguntou _ Vai terminar assim?_ Eu respondi com outra pergunta _ Assim como? _ E ele _ Sem nenhum beijo! _ Meu coração parecia saltitar no peito, a emoção e a surpresa foram tão grandes que não consegui disfarçar a satisfação com o questionamento. Expliquei para ele que se dependesse de mim, estaríamos nos beijando desde o primeiro momento que o vi sentado sobre a mesa, mas ele retrucou dizendo que em nenhum momento me sentiu interessado nele, sorri e pensei alto_ Pensei a mesma coisa sobre você, até entrei no banheiro, na expectativa de você lembrar-se da conversa sobre o banheiro do prédio das coordenações_ Ele sorrio também e falou _ Eu lembrei, mas fiquei com receio de você pensar que eu era algum atirado.

Após os desencontros de leituras comportamentais, resolvemos abrir o jogo e voltamos ao banheiro, nos abraçamos e nos beijamos. Desde este dia, passamos a usar o banheiro como ponto de encontro, o nosso relacionamento moderno ficou muito intenso em um curto espaço de tempo e assim como nasceu, ele se foi. Hoje, continuamos adicionados nas redes sociais, compartilhamos informações, mas o banheiro do prédio da coordenação ficou no passado e em nossas memórias de jovens aventureiros.

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Pena e Pergaminho


Escrever versos

Com pena e tinta,

Usando letra cursiva

É prática extinta.

 

Pequeno documento

pergaminho

Papel antigo,

Que se perdeu pelo caminho.

 

Infinitas juras de amores calados

Com os poemas escritos e lidos,

pelos eternos amados.

 

Poetas do passado, sozinhos,

Os redigiram a tinta,

Com pena e pergaminho.

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Trapiche

















Venha passear ao fim da tarde
sentir o vento na face
vendo um mundo inteiro
sobre o Amazonas adentro.

Venha contar as maresias,
olhar para o horizonte infinito
celebrar o pôr do astro sol
neste cenário bonito.

Venha se ver como um pássaro,
que sobre o rio voa e se exibe
com manobras belas e livres.

Venha as águas turvas prestigiar,
e junto a São José de Macapá
se lançar neste majestoso rio mar.

Libélula




Com meus pés descalços
Corri por campos verdes
Sem nenhuma roupa de baixo
Só com camisola transparente.

Senti o vento por meu corpo
Eu livre como uma pluma
Leve a flutuar pela mata
Quase totalmente nua.

Delicada como um inseto ínfimo
eu sonhava com uma vida simples,
esse era o meu desejo mais íntimo.

Queria a liberdade daquela libélula
Pousada sobre a flor mais bela
Que eu via da minha janela.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Pierrô


É noite de carnaval
Mas ele chora,
Desanima-se com a festa
Pois ela o ignora.

Coisas sem sentido
Com o coração ferido
Está no baile desiludido
Por seu amor perdido.

Sua dama o trocou
Por um Arlequim travesso
Que a conquistou.

Agora por desamor,
Em seu rosto, o Pierrô,
Uma lágrima tatuou.